Fique por dentro de todas as novidades do Núcleo de Dramaturgia.
Um Filme para Dirceu, de Ana Johan
por Fábio Andrade
Um Filme para Dirceu começa com dois sujeitos fantasiados de caubói. Um deles veste uma camisa dourada que grita protagonismo; o outro incorpora o matuto que servirá como Sancho Panza, bom parceiro de aventuras exatamente por sua incapacidade de ver os moinhos como dragões. O sonhador da camisa dourada convence o amigo a fugir daquele mundo e ir buscar a bela vida tocando gaita de mão. A cena é interpretada com acentuada tipificação dos atores, como esquetes do Zorra Total ou do Hermes & Renato. Mas tudo isso é mediado por um mascaramento difuso que recorta a imagem em "cinemascope", um barulho de projetor rodando que toma a banda sonora, e uma tonelada de falsos riscos em uma falsa película. Tudo é exposto como falso.
O filme, portanto, começa como farsa, algo que será reforçado no momento
seguinte: já sem os riscos, o falso projetor em silêncio e uma imagem que adquiriu o direito de tomar toda a
tela 1:1.77 do vídeo em alta definição, Dirceu - o homem da camisa dourada - fala de como imagina o filme
que ele gostaria de fazer. Entramos em terreno bastante conhecido do documentário brasileiro recente, no qual o choque
entre documentário e ficção é capaz de revelar o mundo de um personagem digno do título
de um filme. Mas Ana Johann parece movida, sobretudo, pela necessidade de usar todo tipo de artifício para demarcar
terreno: o filme de Dirceu é um outro. Este é o filme de Ana, e os desejos e aspirações do protagonista
interessam apenas enquanto reveladores de sua intimidade - assim como as personagens cantam nos filmes de Eduardo Coutinho
porque se revelam pelo canto. Em um passeio de carro, Dirceu aponta os lugares importantes de sua biografia; a câmera
de Ana Johann nunca esboça movimento, concentrando-se somente no rosto do protagonista.
O roteiro de filme
que ele propõe é uma mistura de Um Morto Muito Louco com Superbad, surgido
de situações relacionadas à própria vida, com rumos inventados que reescrevam sua história.
"Tem que ter uns três romances". Cinema, para Dirceu, é aventura. Mas se é necessário demarcar
terreno, deixar claro na pele do vídeo que o filme para Dirceu é o filme deAna,
o que seria o cinema para a diretora? "Você acha que fazer cinema é fácil?", pergunta ela, enquanto filma
Dirceu deitado ao lado de uma moça nas primeiras horas de uma manhã de ressaca da intimidade. "E você
acha que tocar sanfona é fácil?", ele rebate. Dirceu se vira, vê a câmera rodando e pede que ela
desligue logo aquele troço.
Mais de uma vez, Ana Johann expõe casualmente o desejo de acompanhar
Dirceu de maneira mais intensa. Fala em filmá-lo por vinte anos, em um tipo de aposta de ambição razoavelmente
comum no documentário, movida pela intuição de que talvez nenhuma ação seja tão
importante quanto a do tempo (e, consequentemente, da morte) sobre o corpo. Entramos na seara do cinema direto, mas Um
Filme para Dirceu tampouco se concentrará na observação. "Daqui a pouco vão me filmar
até cagando", responde Dirceu.
Leia Matéria na Íntegra
clicando aqui >>
Fonte:Revista Cinética
Envie para um amigo