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“Ela” delonga o tempo de reticências entre um homem e uma mulher que coabitam um lugar. O diálogo entre eles tarda a se estabelecer. Antes, imprimem os volumes de seus corpos (semi)estáticos naquele espaço. Os primeiros instantes do espetáculo escrito e dirigido por Raquel Schaedler permitem que essas presenças se instaurem e desvaneçam – como é próprio dos efeitos de presença, segundo o filósofo alemão H. U. Gumbrecht: serem sempre permeados de ausência.
O pontilhado de silêncios inicial e entre as falas remodela os sensos-comuns envoltos na relação romântica. As frases de ambos, mulher e homem, tentam estabelecer uma conexão que é frágil, quebradiça, como a ideia de que duas individualidades formam um casal.
Contudo, a soma dos fragmentos e das sugestões fecha uma narrativa de emoções reconhecíveis, que perpetua o jogo de forças entre o feminino e o masculino e suas distintas pulsões sexuais, colocando em evidência a difícil relação daquela mulher com o desejo, o corpo e o sexo. Manifesto no ódio à cadela que vive em plenitude sua sexualidade, num corpo livre, não afetado pela cultura e, portanto, sem pudor, o ciúme da mulher emerge como sintoma da repressão sexual submersa na dramaturgia.
Fábula esta semelhante à criada pelo argentino Daniel Veronese em “O Líquido Tátil” (1994), recentemente remontada pelo Espanca!, de Belo Horizonte. A recorrência ao cachorro como perturbador da paz de um casal evoca emoções da ordem do irracional, fora do controle do que se pretende como civilizado.
“Ela” se afasta do projeto artístico das dramáticas do transumano forjado por Roberto Alvim, sob a orientação de quem foram criadas as obras desta Mostra de Dramaturgia, à medida que se mantém nas esferas dos sentidos, do cultural e do cognoscível. Antes, inscreve-se num campo que se poderia chamar de infradramático – que, como propõe o teórico francês J. P. Sarrazac, é esse espectro alargado do drama, no qual sobrevivem microconflitos do cotidiano e personagens diluídos.
A encenação opera com ações e objetos do cotidiano escasseados. Redução que os desloca do consenso, no entanto, sem a radicalizar esse procedimento. As atuações também pouco se desprendem da experiência cotidiana. Sobretudo a de Johnny Leal, cujas falas são contrapontos às da mulher cujas emoções realmente estão sob foco. Ao sugerido fervilhar interno de angústias dela, a atriz Maryah Monteiro objeta um semblante de anodinia, rompido pelo deleite – ainda represado –da pulsão destrutiva.
Figuras enfraquecidas a habitar o tempo de silêncios.
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